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domingo, junho 5

Comida agora é veneno

Se pudesse escolher a morte, escolheria por torresmo da Sueli: lágrimas de banha a correr pelo canto dos olhos


SENTEI À MESA do bufê, bem perto da cozinha, já muito de indústria. Sabia que teríamos torresmo com caldinho de feijão na festa do dia. Perguntei, como quem não quer nada, se já estavam embalados.
Ah, que pena, precisava experimentar. Foi Sueli que fez, ela sempre fez, mas agora deu para acertar invariavelmente cada um deles.
Há muitas espécies de torresmo, mas esses são daqueles que têm um pedaço pequeno de pele crocante, mas não dura. É só fazer pressão contra o dente e a gordurinha presa à pele se desmancha na boca.
E não é modo de dizer, se desmancha como o algodão doce se desmancha, como o biscoito de polvilho se desmancha.
É claro que Sueli vai lá abrir o pacote a vácuo enfileirado junto de outros dez pacotes, pega um copo de papel, enche a metade de torresmos e me dá. Uma prova um pouco exagerada. Começo a comer e não consigo parar. Vou ter de jantar fora. Com esta quantidade de torresmo não vou aguentar.
Mas continuo, intrépida, não quero nem saber... Comida agora é veneno, e subitamente tenho a consciência de que não me suicidaria com Lorax 2, que também aprecio.
Escolheria o torresmo, um saquinho daqueles, mais um, mais um, até o suspiro final, ainda não satisfeito, mas letal. Vergonha das vergonhas. Se eu pudesse escolher a morte, escolheria por torresmo da Sueli, lágrimas suaves de banha escorrendo pelo canto dos olhos.
Claro que sei que isto não é nem cozinha, nem gastronomia, nem prazer. É glutonaria. O que fazer, cada um com seus defeitos? Lembro bem que na infância tínhamos ataques como este. Meu irmão se escondeu atrás do sofá para comer um quilo de amendoins crus. Eu comi empadinhas feitas por minha mãe até me enjoar delas por anos a fio.
De certo modo é confortável, o pecado da gula te afasta imediatamente do desejo da coisa amada, o que não acontece com os outros pecados da vida.
Conversei com a Sueli. Ela não encomenda mais a gordura da barriga, e sim do lombo, em pedaços iguais, não muito grandes, e põe na panela. Vai mexendo, vai mexendo, vai mexendo e pronto. Que belíssima e sofisticada receita!
Meninos do vinho, entendedores que harmonizam até quadros de artistas clássicos com a bebida exata, na sua cor, na sua safra, amigos do vinho e meus amigos, o que posso tomar com torresmo para que ele se sinta prestigiado, elevado a iguaria?
O restaurante Vito comemorou o Ano-Novo distribuindo aos clientes sanduíches de pernil. Ao morder, sentia-se a inclusão de torresminhos, o que faz do sanduíche e do restaurante inesquecíveis.
E o porco nem é essa coisa gorda e lúbrica que muitos imaginam. Leiam "Porco", de Danusia Bárbara, do Senac-Rio, e vejam que mais vale um porco do que uma galinha magrela. Tem vitaminas insuspeitadas, gorduras boas, aquelas que acabam com o colesterol ruim.
Ah, malditos, até eu estou aqui medicalizando o porco. Não merece. Já inseriram genes de espinafre nele, mas não nos preocupemos: o porco é um sábio manso, anti-Popeye, já terá se desvencilhado do espinafre, esse terror da infância.
Desaforo, senhores estudiosos, vão juntar genes de espinafre aos óvulos das senhoras suas mãezinhas. Deixem em paz o porco, esse poema.